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A santificação no ministério pastoral na perspectiva puritana.

Santificação no ministério pastoral

A santidade recebeu uma atenção toda especial da parte dos calvinistas ingleses, os puritanos, com sua grande ênfase em um cristianismo prático e um viver experimental. Essa ênfase no viver experimental consiste na aplicação continuada da união do crente com o Deus triuno,[1] por exemplo: o Espírito Santo está sempre operando no crente para corrigi-lo, consolar e o capacitar para a pregação, para todo o tipo de serviço e vencer as tribulações da vida. Santificação é um tema enraizado no movimento puritano da Inglaterra do Século XVII. Foi durante o período do reinado de Elizabeth I (1558-1603) que os puritanos cresceram como “uma fraternidade distinta de pastores que destacava as grandes verdades centrais do cristianismo: fidelidade às escrituras, pregação expositiva, cuidado pastoral, santidade pessoal e piedade prática associada a cada área da vida”.[2]

Pode-se definir santificação na perspectiva puritana, utilizando um dos documentos elaborados na abadia de Westminster como sendo, “a obra da livre graça de Deus pela qual somos renovados em todo o nosso ser, segundo a imagem de Deus, habilitados a morrer cada vez mais para o pecado e a viver para a retidão”.[3] Também, sintetizando as idéias de Hulse sobre a diferença entre justificação e santificação, pode-se dizer que de forma geral, na visão dos puritanos, a santificação é uma experiência interior progressiva vivenciada pelos crentes operada pelo Espírito Santo e que nesta vida não alcançarão a perfeição.[4]

Santificação para os Puritanos envolve uma radical mudança de caráter e essa mudança ela acontece progressivamente e envolve diretamente o conflito. Esse conflito se dá pela luta constante contra o pecado. Os Puritanos diziam que o conflito é indispensável no processo de santificação, porque resquícios de pecados ainda habitam no Cristão, para sua grande tristeza. Isto o engaja em uma grande guerra contra o pecado, cujas batalhas acontecem diariamente.[5] A contínua luta por um viver santo era uma marca desse movimento. É evidente que o movimento puritano atingiu o seu ápice de 1640 a 1660, e após este período, o número de ministros com talentos especiais diminuiu como relata Errol Hulse.[6] Este ápice é considerado pela qualidade dos trabalhos escritos durante esse período, obras cujos escritores, ainda hoje são reconhecidos e seus trabalhos reeditados.

Sem duvida dois dos mais famosos da terceira geração[7] de puritanos, Richard Baxter e John Owen, evidenciou-se em seus escritos e vida, a necessidade da busca por uma santidade em conformidade com a palavra de Deus. Nesses servos de Deus percebe-se que o cuidado pastoral e a piedade, devem caminhar Juntos. Devido à grande influência desses dois servos de Deus na história, serão abordados nos próximos tópicos o tema da Santificação no ministério pastoral.

 

Richard Baxter (1615-1691)

Richard Baxter nasceu em 12 de novembro de 1615, em Rowton, na Inglaterra. Diferentemente de muitos puritanos que desfrutaram uma educação privilegiada, ele era autodidata e não teve a oportunidade de estudar nas grandes universidades.[8]

Como membro da igreja da Inglaterra foi ordenado diácono pelo bispo de Worcester, em 1639.  Foi pastor em Bridgnirth, de 1639 a 1640. Trabalhou como capelão da guarnição do parlamento em Conventry, de 1642 a 1645, e também no exército sob o comando do tenente-coronel Edward, de 1645 a 1647, durante a guerra civil.[9] Por causa da saúde frágil, ele deixou o exército, mas quando se recuperou, retornou ao pastorado em Kidderminster. Ele pastoreou nessa cidade de 1647 a 1661, onde realizou um dos mais impressionantes trabalhos pastorais da história da igreja.[10] Em 1662, Baxter foi morar em Londres onde casou-se com Margaret Charlton,  ela faleceu em 1681, e ele faleceu aos 76 anos, em 8 de Dezembro  de 1691.

A tradição pastoral puritana alcançou o seu apogeu com o ministério e escritos de Baxter, parte de sua reputação deve-se a sua sólida obra mais extensa, Diretório Cristão, que aborda cada aspecto da vida cristã sob um ponto de vista prático, mas, sua obra mais célebre na área de teologia pastoral continua a ser o livro O Pastor Aprovado.[11] Esta obra dedica-se ao estudo de questões relativas ao ministério, de acordo uma ótica puritana, e uma das questões tratada na obra é a evidencia da santidade no ministério pastoral. No entendimento de Baxter, essa santidade deve refletir em todas as áreas na vida do ministro, como na família, na relação com o seu rebanho e em todos os serviços realizados no seu ministério. O cuidado pessoal do ministro envolve evidenciar a graça de Deus em sua vida e o cuidado para não conviver com os pecados contra os quais tem pregado sendo uma incoerência moral, como Baxter declara:

[...] olhem para si mesmos para não virem a ser exemplo de doutrina contraditória. Cuidado, para que não venham a colocar pedra de tropeço na frente dos cegos e ocasionar a sua ruína. Cuidado, para não desfazerem com suas vidas o que dizem com suas línguas. Cuidado, para não se tornarem, vocês mesmos, o maior obstáculo dos seus trabalhos.[12]

 

O cuidado pessoal do ministro envolve também um reconhecimento constante de que possui uma natureza depravada e suas inclinações pecaminosas são como as de qualquer outro, pois aqueles de nós que parecem mais fortes – são realmente fracos. Como estamos sujeitos a tropeçar! Quão diminutas coisas nos derrubam! Com que facilidade as nossas paixões e desejos desordenados se inflamam, pervertendo os nossos critérios de julgamento ou abatendo a nossa diligencia.[13] 

 

O reconhecimento de suas fraquezas leva o pastor a iniciar os conflitos que o conduzirão ao processo de santificação. Ele deve considerar que o seu primeiro e principal trabalho é matar o pecado em sua raiz, limpar o coração, pois é do coração que vem todo o mal em nossa vida e, identificando as raízes do pecado, deve usar o seu maior cuidado e diligência para mortificá-las continuamente.[14]  

A reputação de Baxter como escritor cristão não está baseado em seus trabalhos de temas teológicos, mas em suas exposições pastorais e devocionais. Ele era um grande e santo homem, evangelista, autor de devocionais e merece todo elogio, mas teologicamente ele não foi bem sucedido segundo Hulse.[15] Um dos seus problemas teológicos é que ele era amyraldiano.[16] Do exemplo de Baxter deve-se lembrar do grande cuidado que se requer a formulação teológica.[17] Ess



e é o motivo pelo qual John Owen é tão elogiado, e por isso é de grande importância analisar o assunto em sua perspectiva.  

  

John Owen (1616-1683)

Dentre os vários teólogos puritanos, John Owen destacou-se como o melhor, segundo Hulse, J. I. Packer, John Piper e outros. Owen foi considerado o maior pastor-teólogo, entre os puritanos na Inglaterra, a ponto de Charles Spurgeon referir-se a ele como o príncipe dos teólogos como diz J. I. Packer,[18] e considerado por outros como Erroll Hulse, Owen era “O Príncipe dos Puritanos”.[19]

Owen era filho de pastor puritano que trabalhava incessantemente e, cujo ministério era marcado por um bom testemunho. Ele exercia o seu ministério numa vila chamada Standham, em Oxfordshire, onde Owen nasceu em 1616.[20] Quando de visita a Londres, Owen foi com alguns amigos ouvir um famoso pregador chamado Edmund Calamy, que não aparecera e fora substituído por outro pregador que usado pelo Espírito Santo levou Owen à certeza de sua salvação.[21] Owen deu inicio em seu pastorado em Fordham, depois foi chamado para uma congregação em Londres em 1646. Tornou capelão de Oliver Cromwell e ele foi vice-chanceler da universidade de Oxford. Em 1658 ele tomou parte num encontro de ministros, e fora nomeado juntamente com alguns teólogos, os quais foram membros da Assembléia de Westminster, para prepara uma confissão de fé conhecida como a Declaração de Savoy.[22]   

Owen foi um teólogo de grande poder intelectual, entretanto, os seus escritos mostram que a sua espiritualidade equiparava-se à sua intelectualidade. A Espiritualidade de John Owen fora destacada por David Clarckson, ao pregar em seu sepultamento: “A santidade deu um brilho divino às outras realizações dele; manifestava-se em toda a sua conduta e difundia-se por meio de sua conversão”.[23]

O desafio de ter uma vida cristã em conformidade com o caráter de Cristo é refletido em seus escritos. John Owen ao escrever sobre a natureza da santificação apresentou a seguinte definição:

Santificação é a obra imediata do Espírito de Deus nas almas dos crentes, purificando e expurgando de suas naturezas a poluição e a impureza do pecado, renovando neles a imagem de Deus, obra essa baseada em um princípio espiritual e habitual da graça [...] segue-se, pois, que nossa santidade, que é fruto e efeito dessa obra... no que concerne a renovada... imagem de Deus operada em nós, consiste em uma santa obediência a Deus, por meio de Jesus Cristo , de acordo com os termos do pacto da graça.[24]

 

A santificação tanto é um dom anunciado por Deus quanto é um dever prescrito ao homem. O Crente não pode cumprir o seu dever quanto a isso sem a graça de Deus, nem Deus concede essa graça para outra finalidade, se não para que o crente cumpra corretamente o seu dever. Nos escritos de Owen fica evidente que esse dever prescrito ao homem deve ser buscado constantemente. Em sua obra sobre a mortificação do pecado nos crentes ele diz: 

“Os crentes eleitos, libertos indubitavelmente do poder da condenação do pecado, têm, apesar disso, a obrigação de mortificar o poder do pecado que habita neles enquanto viverem [...] Mortifique o pecado; seja essa a sua obrigação diária; cumpra-a enquanto viver; não deixe de realizá-la nenhum dia; mate continuamente o pecado ou ele matará você continuamente”.[25] 

 

Para Owen, a luta contra o pecado deve ser uma batalha diária e pelo fato de estar virtualmente morto com Cristo e ter nascido de novo em Cristo, não isenta a pessoa dessa obrigação. O freqüente caráter de Cristo que as pessoas contemplavam em Owen, tinha uma dupla fonte, humildade e a experiência pessoal do poder do evangelho.[26] Primeiro, Owen fora humilhado através de sua conversão e dali por diante manteve-se humilde, por contemplar continuamente a sua pecaminosidade inata.  Segundo, Owen conhecia o poder do evangelho. Ele dizia que, os pregadores devem ter a experiência do poder da verdade que eles pregam, em e sobre as suas próprias almas.[27] Ele criou a seguinte regra:

Considero-me obrigado, em minha consciência e honra, nem mesmo a imaginar que já cheguei a um conhecimento apropriado sobre qualquer artigo da verdade, quanto menos a publicá-lo, a menos que, através do Espírito Santo, eu tenha saboreado do mesmo em seu sentido espiritual, de modo que seja capaz e dizer, do fundo do coração, juntamente com o salmista: “Eu cri, por isso é que falei” (2Co 4:13).[28]

 

            No pensamento de Owen, fica evidente o cuidado que deve ter de si mesmo aquele que anuncia a verdade do evangelho. Esse cuidado envolve diretamente a mortificação do pecado e o meio principal de mortificar o pecado segundo Owen, é crescer, florescer e aprimorar-se quanto à santidade. “Quanto maior vigoroso for o princípio da santidade, tanto mais fraco será o princípio do pecado”.[29] Uma das formas de tornar o princípio da santidade mais evidente na vida da pessoa dizia Owen: “viva e tenha abundância no exercício real de todas aquelas graças que se opõem mais diretamente àquelas corrupções do pecado que mais nos preocupam”.[30] Uma dessa graças é a oração. Assim como João Calvino, Owen entendia que a oração era uma atividade indispensável para aqueles que buscavam uma vida de santificação.

A oração é a atividade mediante a qual o crente garante diretamente a mortificação do pecado.[31] Escrevendo sobre as consequências do pecado, ele alerta ao cristão para o chamamento do Mestre Jesus a vigiar e orar, pois, mesmo tendo recebido muita graça no passado, até mesmo tendo desfrutado de maravilhosas experiências na vida cristã, ter tomado muitas decisões de permanecer firme na lei de Deus, nenhuma delas o guardará de cair a não ser que vigie em oração constantemente.[32]

Conquanto, seja claro, a obra do Espírito Santo no processo de santificação nos escritos dos puritanos, e não era uma exceção em Owen, fica evidente, a responsabilidade que o homem tem nesse processo, devendo utilizar os meios que o próprio Deus lhe concedeu, dedicando perseverantemente a glorificar a Deus com a própria vida. Após ser observado a tamanha importância da santidade de vida para os puritanos, será percebido nesse momento o grande impacto que esses homens tiveram nos teólogos dos dias atuais, conquanto ainda haja aqueles que não compactuam com a mesma teologia.


[1] HULSE, Errol. Quem Foram os Puritanos? E o que eles Ensinaram? São Paulo: Editora PES, 2004, p. 21.

[2] HULSE, Errol. Quem Foram os Puritanos? E o que eles Ensinaram? p. 35

[3]O Breve Catecismo de Westminster. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001. Pergunta 35.

[4] HULSE, Errol. Quem Foram os Puritanos? E o que eles Ensinaram? p. 143.

[5] BEEKE, Joel. A Visão Puritana da Santidade. 2013.

[6] HULSE, Errol. Quem Foram os Puritanos? E o que eles Ensinaram? p. 95.

[7] Os puritanos de primeira geração são considerados aqueles que viveram no período do reinado de Elizabeth, a segunda geração pode ser contemplada como sendo daqueles que seguiram na primeira metade do século dezessete, porém que não viveram até o tempo da Grande Expulsão, em 1662. A terceira geração foi o período que a maioria dos escritores puritanos viveu, pode ser considerada como sendo constituída dos que viveram durante e depois da Grande Expulsão. Ver mais detalhes em: HULSE, Errol. Quem Foram os Puritanos? E o que eles Ensinaram? São Paulo: PES, 2004.

[8] HULSE, Errol Quem Foram os Puritanos? E o que eles Ensinaram?, p. 232.

[9] Ibid.

[10] Ibid.

[11] McGRATH, Alister E. Teologia Sistemática, Histórica e Filosofia: uma introdução à teologia cristã. São Paulo: Editora Shedd Publicações, 2005, p.118.

[12] BAXTER, Richard. O Pastor Aprovado. São Paulo: PES, 2013, p. 65.

[13] BAXTER, Richard. O Pastor Aprovado, p. 69.

[14] Ibid., p. 150.

[15] HULSE, Errol. Quem Foram os Puritanos? E o que eles Ensinaram?, p.114.

[16] Amyraldianismo: sistema criado pelo teólogo francês Moises Amyraut, que também recebe o nome de “predestinação Universal Hipotética”, “Pós-Redencionista”, “Universalismo Hipotético”- Sustenta a Idéia de que Deus em Cristo proveu a salvação para todos, todavia só serão salvos aqueles que se apropriarem da salvação pela fé. Ver: COSTA, Hermisten M. P. Raízes da Teologia Contemporânea. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 331-335.

[17] HULSE, Errol. Quem Foram os Puritanos? E o que eles Ensinaram?, p. 120.

[18] PACKER, J.I. Entre os Gigantes de Deus. Uma Visão Puritana da Vida Cristã, São José dos Campos: Editora Fiel, 1996. p. 207; PIPER, John. Uma Vida Voltada Para Deus. São José dos Campos: Editora Fiel, 2007, p. 96.

[19] HULSE, Errol. Quem Foram os Puritanos? E o que eles Ensinaram? p.114.

[20] PACKER, J. I. Entre os Gigantes de Deus, p. 207.

[21] HULSE, Errol. Quem Foram os Puritanos? E o que eles Ensinaram?, p. 116.

[22] Ibid., p. 116.

[23] PACKER, J. I. Entre os Gigantes de Deus, p. 209.

[24] OWEN, John. The Works of John Owen. V. III. apud PACKER, J.I. Entre os Gigantes de Deus. Uma Visão Puritana da Vida Cristã, São José dos Campos: Editora Fiel, 1996, p. 210.

[25] OWEN, John. Para Vencer o Pecado e a Tentação. TAYLOR, Justin; KAPIC, M. Kelly. (Orgs.). São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2010, p. 69.

[26] OWEN, John. Para Vencer o Pecado e a Tentação, p. 210.

[27] Ibid.

[28] OWEN, John. The Works of John Owen. v. X, apud PACKER, Entre os Gigantes de Deus, p. 210.

[29] OWEN, John. The Works of John Owen. v. III. apud PACKER, Entre os Gigantes de Deus, p. 217.

[30] Ibid.

[31] OWEN, John. Para Vencer o Pecado e a Tentação, p. 171.

[32] OWEN, John. Tentação e Mortificação: o que todo cristão precisa saber. 2° ed. São Paulo: Editora PES, 2013, p. 84.

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  1. Espiritualidade Reformada: uma teologia prática para devoção a Deus. BEEKE, Joel. (Eu quero!)


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