João Calvino, nasceu em Noyon, na Picardia, província ao norte da França, em 10 de Julho de 1509 e em 1533 ele se converteu à fé protestante.[1] Posteriormente se tornara um dos maiores influentes teólogos da Reforma. A sua genialidade é destacada por sua obra-prima, A Instituição da Religião Cristã, bem como seus diversos comentários, cartas, catecismos e sermões pregados ao longo de sua vida. Entretanto, a intelectualidade de Calvino não pode ser vista à parte do contexto espiritual e pastoral, no qual ele desenvolveu sua teologia.
Nota-se que o zelo por uma vida de piedade é uma marca registrada em seus escritos. Calvino deixa claro essa relação teologia e piedade no início de sua obra A Instituição da Religião Cristã, cujo propósito de escrever essa obra era “unicamente ensinar alguns rudimentos pelos quais seriam formados para a verdadeira piedade o que tivessem experimentados algum zelo da religião”.[2] Para Calvino, piedade designa a atitude correta do homem para com Deus. Esta atitude de acordo com Joel Beeke inclui “conhecimento genuíno, culto sincero, fé salvífica, temor filial, submissão no espírito de oração e amor reverente”.[3]
O viver cristão é um tema que permeia todos os seus escritos, Calvino escrevendo sobre a piedade na obra, A Instituição da Religião Cristã, diz: “chamo piedade à reverência unida ao amor de Deus, que agrega o conhecimento de seus benefícios”.[4] De forma mais extensa ele registra em seu catecismo: “A verdadeira piedade consiste em um zelo puro e verdadeiro que ama a Deus totalmente como Pai, o reverencia verdadeiramente como Senhor, abraça a sua justiça e teme ofendê-lo mais do que a própria morte”.[5] Em seus comentários também são refletidos a importância da santidade. Na instrução do Apóstolo Paulo a Timóteo em sua primeira carta, Calvino comentando o capítulo 4, os versos 7 e 8 diz:
Não há razão por que deves cansar-te com outros afazeres sem qualquer objetividade. Farás algo de maior valor se com todo o teu zelo e habilidade se te devotares exclusivamente à piedade somente. Com o termo “piedade” ele quer dizer o culto espiritual de Deus que se encontra unicamente na consciência íntegra [...] a piedade é o ponto de partida, o meio e o fim do viver cristão [...].[6]
Segundo Calvino, os crentes recebem de Cristo pela fé a dupla graça, da justificação e santificação, as quais juntas provem uma dupla purificação. Sobre Justificação diz Calvino, que “é justificado diante de Deus aquele que é considerado justo segundo o julgamento do Senhor e que foi aceito por Ele segundo a justiça divina”.[7] Em seu comentário aos Romanos Calvino deixa claro que a justificação e a santificação são inseparáveis, os crentes são justificados para o propósito muito bem estabelecido, de adorar a Deus em santidade, em pureza de vida.[8] No pensamento de Calvino, a santidade de vida deve fazer parte de todo viver cristão, deve ser buscado continuamente com todo zelo possível, pois, o pecado sempre estará atuando em meio ao viver em santidade, entretanto, não deve-se jamais tentar parar de crescer em piedade. Durante essa busca o crente começa vivenciar a santidade, sobretudo, pelo arrependimento constante e pela morte do eu. Para ele essa santificação refere-se ao processo no qual o crente pouco a pouco é conformado a imagem de Cristo, no coração, conduta e devoção a Deus. E isso ocorre pela sucessiva operação do Espírito Santo na vida do crente, conduzindo-o a uma crescente consagração de corpo e alma a Deus.[9] A santificação de vida envolve numerosas dimensões práticas para o viver cristão diário, as quais são explicadas em seus escritos, como por exemplo, a oração, arrependimento e obediência.[10] A oração segundo Calvino é o principal e perpétuo exercício da fé e o elemento primordial da piedade, da devoção a Deus. Sobre esse exercício prático Calvino dedicou o maior capítulo da obra A Instituição da Religião Cristã.
Calvino pode acertadamente ser reconhecido como o maior teólogo da reforma, mas, ele era antes de tudo, um pastor e como tal se preocupava com a manifestação da teologia na vida diária do crente. A Santificação no ministério pastoral era algo buscado por Calvino. A busca pela piedade, marcada pela oração e zelo pela palavra de Deus, é evidenciada também no seu cuidado pastoral. Em 1536 Calvino foi eleito pastor e professor de teologia em Genebra pelos presbíteros e pelos magistrados com assentimento do povo.[11] Ele exerceu seu pastorado durante sete anos, esteve a serviço do pastorado três vezes em duas igrejas – a de São Pedro, em Genebra, e a dos exilados franceses em Estrasburgo.[12] Calvino sentia que uma das necessidades fundamentais de sua época era, por meio da Palavra de Deus, não somente se colocar em oposição a aqueles que lutavam para impedir a obra de Deus, mas ajudar sobre tudo homens e mulheres a alcançarem segurança na vida perante Deus, conduzindo essas pessoas ao conhecimento de Cristo cada vez mais.[13]
Calvino pregava e ensinava a palavra, ele entendia que havia uma relação direta entre a santificação e a lei de Deus. Esta jamais poderia ser esquecida por aqueles que almejavam uma vida de pureza. Alister McGrath sintetiza as três funções da lei moral propostas por Calvino da seguinte forma:
Em primeiro lugar, a lei possui um aspecto educacional ou pedagógico (o usus theologicus legis), uma capacidade de trazer à tona a realidade do pecado e, assim, preparar o terreno para a redenção (II.vii.6-7). Segundo, a lei tem uma função política (o usus civilis regis): impedir que aqueles não regenerados ou não convertidos se degenerem no sentido de um caos moral (um aspecto importante para as cidades européias, ansiosas ante a ameaça de surgimento de uma instabilidade interna). Por fim, a lei possui uma terceira aplicação, o denominado tertius usus legis, através do qual ela encoraja os fiéis a se submeterem mais plenamente à vontade de Deus, da mesma forma com que um chicote pode encorajar um jumento preguiçoso (II.vii.12).[14]
É baseado neste terceiro uso da lei que a ética da tradição reformada estabeleceu um padrão de alto rigor. A lei não pode ser abolida, pois ela expressa a vontade imutável de Deus. Os crentes devem estudá-la com atenção percebendo que ela não só condena o pecado e aponta para a graça de Deus, mas também determina o curso de suas atitudes, cujo objetivo é estar cada vez mais em conformidade com a vontade de Deus. Calvino refletia essa verdade em sua própria vida. Em sua exposição da Escritura Sagrada, a piedade é evidenciada, isso se dá, pela crença de que Deus considera a pregação um “acontecimento pastoral e procura, por meio desse ministério, levar almas à completa libertadora segurança de fé”.[15] A consciência de que ele era apenas um instrumento nas mãos de Deus para proclamar a palavra que transformaria vidas e as conduziriam a uma vida santa, é uma grande marca de sua devoção.
Entretanto, o amor de Calvino por suas ovelhas, à luz da instrução do apóstolo Paulo que não cessava de admoestar publicamente, mas também de casa em casa, o fazia entender que o pastor jamais deveria achar que o seu trabalho estava encerrado após o seu sermão no púlpito. Para Calvino não é suficiente que, do púlpito, um pastor ensine todas as pessoas conjuntamente, pois ele não acrescenta instrução particular de acordo com a necessidade e as circunstâncias específicas de cada caso. O cuidado pastoral em Calvino envolvia o trato particular com o seu rebanho, instruindo com a palavra de acordo com as necessidades particulares de cada ovelha, demonstrando um cuidado paternal, sendo essa uma marca do bom pastor como ele declara no capítulo 2 no verso 11 em seu comentário na primeira epístola aos tessalonicenses.[16]
Os seus escritos enfatizam a importância do constante e cuidadoso estudo das santas escrituras não somente para ser anunciada com fidelidade ao rebanho, mas, para o cuidado pessoal do ministro, modo pelo qual Deus é glorificado. Esse era o cuidado que todo ministro deveria ter, glorificar a Deus com a sua própria vida. Nas ordenanças eclesiásticas escrita por Calvino, ele ensina que,
para evitar os escândalos no que refere à conduta, será apropriado haver uma forma de correção, à qual todos se submetam. Será também o meio pelo qual o ministério poderá manter-se respeitável, a fim de que a Palavra de Deus não seja desonrada ou escarnecida pela má reputação do ministro.[17]
Para Calvino havia uma série de pecados intoleráveis e toleráveis que o ministro deveria evitar. Dentre as condutas intoleráveis do ministro em que ele alista está a heresia, a lascívia, bebedeira, simonia, isto é, apropriação indébita e abandono da igreja sem licença legal.[18] Dentre as toleráveis se forem feitas admoestações fraternais diretas, estão a negligencia nos estudos e leitura das escrituras, grosseria, mentira, ira incontida e condutas impróprias de um ministro.[19] A vida do ministro deveria ser um exemplo de conduta em conformidade com a lei de Deus, ele não poderia desfazer com a sua vida aquilo que ensinava como verdade de Deus. O ministro jamais poderia perder esse foco, mas deveria buscar diariamente se livrar das tentações e buscar uma santa conduta, pois para Calvino o alvo da piedade é a glória de Deus.
Calvino arrolava para si mesmo tão grande responsabilidade. Como ministro da palavra se esforçou em viver pessoalmente a vida de piedade – teológica, eclesiástica e praticamente. Calvino revela a santidade de vida de um teólogo reformado que fala a partir do coração. Havendo ele provado a graça de Deus, ele saiu em busca por uma vida santa, procurando conhecer e fazer a vontade de Deus a cada dia.
Diferentemente da espiritualidade no monasticismo, como tratei anteriormente em um artigo, “A Santificação: na perspectiva monástica”. Podemos concluir que João Calvino, por meio de seus escritos e vida pastoral, ajudou os cristãos a entenderem a pureza na vida cristã em termos de viver e agir, de acordo com a vontade de Deus na família, na igreja, na sociedade e trabalho.
[1] FERREIRA, Franklin. Servos de Deus, p. 216.
[2] CALVINO João, A Instituição da Religião Cristã. Tomo1, São Paulo: Editora UNESP, 2008, p. 13.
[3] BEEKE, Joel. Espiritualidade Reformada, p.24.
[4] CALVINO, A Instituição da Religião Cristã, Tomo 1, p. 41.
[5] CALVINO, João. Instruções na Fé: princípios para a vida Cristã. Goiânia: Editora Logos, 2003, Catecismo, 1537, Seção 2.
[6] CALVINO, João. Pastorais: série comentários bíblicos. São Paulo: Editora Fiel, 2009, p. 114-115.
[7] CALVINO, A Instituição da Religião Cristã ,Tomo 2, São Paulo: Editora UNESP, 2008, p. 192-193.
[8] CALVINO, JOÃO. Romanos. São Paulo: Edições Parakletos, 2001, p. 209.
[9] BEEKE, Joel. Espiritualidade Reformada, p. 32.
[10] CALVINO João, A Instituição da Religião Cristã. Tomo. 2, São Paulo: Editora UNESP, 2008, p. 309-310; 68-69, 85-88.
[11] LESSA, Vicente Themudo. João Calvino: sua vida e sua obra. Brasília: Monergismo, 2010, p. 74.
[12] REEDER, Harry L. O Clérigo da Reforma. p. 81. In: PARSONS, Burk, (Ed.) João Calvino Amor à Devoção, Doutrina e Glória de Deus. São Paulo: editora Fiel, 2010.
[13] WALLACE, Ronald. Calvino, Genebra e a Reforma. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 143-144.
[14] McGRATH, Alister E. A vida de João Calvino. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 2004, p. 184.
[15] McGRATH, Alister E. A vida de João Calvino, p. 144.
[16] CALVIN, John. Commentary on Philippians, Colossians, and Thessalonians. Chritian Classics Ethereal Libary. Disponível em <http://www.ccel.org/ccel/calvin/calcom42.vi.iv.iii.html> acessado em: 10/07/2015. (Tradução nossa).
[17] FARIA, Eduardo Galasso (Ed.). João Calvino: Textos Escolhidos. São Paulo: Editora Pendão Real, 2008, p. 187.
[18] FARIA, Eduardo Galasso (Ed.). João Calvino, p.189.
[19] Ibid., p.189.
Sugestões de Literaturas:
Calvino, Genebra e a Reforma., Ronald Wallace. (Eu quero!)
A vida de João Calvino, Alister McGrath. (Eu quero!)
A Instituição da Religião Cristã, Elyse Fitzpatrick. (Eu quero!)
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