"Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo." Jo 17:18
Pensando no tema, Santificação e suas evidências nos servos de Deus na história, em nosso último post falamos sobre a santificação na perspectiva agostiniana. Hoje o nosso objetivo é fazer uma breve abordagem sobre a santificação na perspectiva monástica.
Um dos desenvolvimentos relevantes na história do início do cristianismo foi o monasticismo. Tendo em vista a importância dos mosteiros para o progresso da teologia cristã durante a idade média, convém tratar desse movimento.[1] A primeira forma de monasticismo foi o eremita, isto é, o indivíduo que, por penitência, vivia em lugares desertos, isolados. Antônio, é tido como o primeiro monge, nasceu em 250 A.D. na aldeia de Koma, e aos 20 anos de idade deu os seus bens e logo passou a viver solitariamente.[2] Essa decisão foi tomada ao ouvir o texto sobre o jovem rico, e ficou impressionado com as palavras de Jesus: “Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres, e terás um tesouro no céu”.[3] O exemplo de Antônio contagiou muitas pessoas que passaram a buscar uma vida reclusa para obter crescimento espiritual. Esse comportamento se espalhou por várias partes. Uma das motivações iniciais dos primeiros monges foi viver isoladamente, longe da sociedade, da sua agitação e das suas tentações.
Durante a popularidade dos eremitas, o movimento monástico deu um grande passo, quando por volta de 320 A.D., Pacônio instituiu o primeiro mosteiro cristão, havendo uma mudança da vida solitária dos eremitas, para a vida comunitária. Ele estabeleceu uma vida comum regrada, na qual os monges comiam, trabalhavam e adoravam com horários estabelecidos e uma disciplina rígida.[4] A estrutura física do mosteiro cercado por um muro, ressalta a idéia de separação e afastamento do mundo.
Outro personagem no monasticismo é Benedito. Ele nasceu por volta de 480 A.D., em Núrsia, Itália. Ele foi enviado para estudar em Roma, mas o estilo de vida na cidade era tão corrupto, que desistiu dos estudos e deixou a cidade para cultivar uma vida de devoção, vivendo como eremita.[5] Em 529 A.D, no alto do Monte Cassino, Benedito de Núrsia, lançou a fundação do que se tornaria o mais distinto monastério da Europa, a sede da ordem beneditina. Ele lançou as regras a fim de conduzir os monges à santidade de vida. Lá ele ensinou, pregou e viveu um exemplo de vida monástica até a sua morte.[6]
Benedito considerava um grande perigo espiritual para um monge ficar fora dos muros do monastério. No monastério beneditino, os monges, que fossem sinceros no cumprimento dos propósitos de seu fundador “era um pequeno mundo em si mesmo, em que os monges viviam uma vida intensa, mas não sobrecarregada, que compreendia cultos, trabalhos intensos na oficina e no campo, e leitura séria” como diz Shelley.[7]
Com o propósito de reformar a prática geral do monasticismo, Bento compôs a Regra beneditina. A Regra no prólogo tem por tema a conversão. E segue 73 capítulos cuja maior extensão trata sobre o que regula a organização da comunidade. A regra é famosa por seus votos de submissão, conversão continua e permanência. Além de deixar claro que até os membros mais jovens deveriam participar da busca pela santidade.[8] Outra característica da regra era concentrar-se nas realidades espirituais, cujo fundamento era o compromisso com a vida de oração, que deveria produzir uma vida de piedade. No capítulo vinte a regra de Bento diz:
Quando nos apresentamos a homens de posição elevada, não o fazemos sem reverência e humildade; quanto mais, portanto, estamos obrigados a nos apresentarmos a Deus, o Senhor de tudo, com toda a humildade e pureza devota de coração. [...] não somos ouvidos por nosso muito falar, mas pela pureza de nosso coração e lágrimas de contrição. Por isso a nossa oração deve ser breve e pura [...].[9]
No quinto e sexto século todo líder de igreja ou era monge ou estava de alguma forma intimamente relacionado ao monasticismo. Os mosteiros eram, com freqüência, centros de atividade teológica e espiritual. Entretanto, depois de certo tempo, a vida monástica começou a negligenciar seus ideais. Mesmo os que se supunham separados do mundo para se dedicarem a uma vida cristã mais consagrada, foram envolvidos e arrastados pela corrupção da época. De fato, alguns piores registros sobre imoralidade da época dizem respeito a esses ascéticos, cuja situação era reflexo da corrupção externa. Já no século dez houve a necessidade de um movimento regenerador com o surgimento do mosteiro de Cluny, pois a corrupção invadiu os mosteiros que até então, eram considerados o lugar da mais verdadeira consagração.[10] Os cluniacenses eram muito rigorosos e tinham como base as ordens beneditinas.[11]
Posteriormente no século onze surgiu um movimento reformista, composto por homens que foram treinados no zelo e na vida rigorosa de Cluny ou nos mosteiros que estavam sob sua influência, com o propósito de levantar a igreja da sua decadência.[12] Esse partido reformista tinha como propósito, a abolição da simonia, isto é, de homens que compravam cargos religiosos, por isso não podiam ser pessoas indicadas para exercerem os ofícios eclesiásticos, pois era um grande prejuízo espiritual para a vida da igreja. Outro propósito era o ataque à violação geral do celibato clerical, embora que há muito tempo fosse esta a lei da igreja, era comumente desobedecida. Um último programa proposto pelos reformistas de Cluny era uma rigorosa purificação da vida dos lideres eclesiásticos. Os lideres deveriam ser exemplo de vida piedosa.
Conquanto houvesse uma preocupação com a vida de pureza dos líderes nesse período do monasticismo, a concepção da vida cristã era basicamente equivocada. O conceito de santificação estava no isolamento do mundo, abandonar os relacionamentos comuns da vida social, renunciar casamento e a tudo que o lar cristão significa de fato.
Para aqueles que recebiam o chamado monástico, o recebiam como a mais verdadeira consagração da vida. Ainda que o seu impacto não possa ser subestimado, visto a contribuição de homens como: Jerônimo, Gregório, Tomás de Aquino, Bonifácio e outros,[13] o monasticismo na idade média não foi uma resposta perfeita para a questão da vida cristã. A sua espiritualidade ficou enclausurada por detrás dos muros além de ser reduzida a uma devoção celibatária, ascética e penitencial.[14]
Em breve iremos considerar a santificação na perspectiva calvinista.
[1] McGRATH, Alister E. Teologia Histórica, p.112.
[2] SHELLEY, Bruce L. História do Cristianismo ao alcance de todos. São Paulo: Editora Shedd Publicações, 2004, p. 133.
[3] GONZALEZ, Justo L. A era dos Gigantes: uma história ilustrada do cristianismo. v. 2. São Paulo: Editora Vida Nova, 1995, p. 63; Ver Mc 10:21.
[4] Ibid., p. 134.
[5] FERREIRA, Franklin. Servos de Deus, p. 107.
[6] SHELLEY, Bruce. História do Cristianismo ao alcance de todos, p. 135.
[7] SHELLEY, Bruce. História do Cristianismo ao alcance de todos, p. 138.
[8] FERREIRA, Franklin. Servos de Deus, p. 109.
[9] BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã. 3°ed. São Paulo: Editorta Aste/Simpósio, 1998, p. 196.
[10] NICHOLS, Robert H. História da Igreja Cristã. 10° Ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, p. 86.
[11] BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã, p. 195
[12] NICHOLS, Robert H. História da Igreja Cristã, p. 86-87.
[13] HALL, Mark A. Momentos Decisivos na História do Cristianismo. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2000, p. 91-92.
[14] BEEKE, Joel. Espiritualidade Reformada: uma teologia prática para devoção a Deus. São Paulo: Editora Fiel, 2014, p. 59.
Sugestões de Literaturas:
Espiritualidade Reformada: uma teologia prática para devoção a Deus. BEEKE, Joel. (Eu quero!)
História do Cristianismo: Uma obra completa e atual sobre a trajetória da igreja cristã desde as origens até o século XXI. SHELLEY, Bruce. (Eu quero!)
História da Igreja Cristã, NICHOLS, Robert H (Eu quero!)
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