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A santificação na perspectiva agostiniana

A santificação na perspectiva agostiniana

"Andemos dignamente, como em pleno dia, não em orgias e bebedices, não em impudicícias e dissoluções, não em contendas e ciúmes; mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e nada disponhais para a carne no tocante às suas concupiscências." Rm13:13-14

Pensando no tema Santificação e suas evidências nos servos de Deus na história, iremos tratar neste post sobre: A santificação na perspectiva agostiniana. Sem dúvida é enriquecedor a contribuição que os pais da Igreja ainda transmitem aos dias atuais, tanto teologicamente como espiritualmente. Certamente eles não tiveram acesso a tanto recurso teológico como os tempos modernos, mas sua contribuição doutrinária, piedade e devoção aliadas a um profundo temor e vivência, há de contribuir significativamente para a igreja de hoje.

Os escritos dos chamados primeiros pais da igreja contêm pouca coisa a respeito da doutrina da santificação. Entretanto, o primeiro a desenvolver idéias um tanto definidas de santificação foi Aurélio Agostinho. Considerado o escritor patrístico latino mais influente, e essa influência pode ser encontrada logo depois nos grandes escritores cristãos da idade média e no século XVI, a exemplo de, Tomás de Aquino e João Calvino. Certamente, os seus escritos e relatos sobre a santificação é um reflexo direto de sua luta contra o pecado e real necessidade de evidenciar uma vida em conformidade com as Escrituras Sagradas.

Aurélio Agostinho é filho de Patrício, nasceu em Tagaste, no norte da África, em 13 de novembro de 354 e converteu-se ao cristianismo na cidade de Milão, no norte da Itália, no verão de 386 A.D.[1] Um dia meditando sobre a sua vida espiritual, ouviu uma voz que dizia: “Tome e leia”. Agostinho abriu sua Bíblia na carta do Apóstolo Paulo aos romanos, cuja leitura trouxe-lhe a luz o que sua alma não havia encontrado no maniqueísmo e neoplatonismo.[2] Em sua obra confissões ele diz:

Apressado, voltei ao lugar onde Alípio ficara sentado, pois, ao levantar-me, havia deixado aí o livro do Apóstolo. Peguei-o, abri e li em silêncio o primeiro capítulo sobre o qual caiu o meu olhar: “Não em orgias e bebedeiras, nem na devassidão e libertinagem, nem nas rixas e ciúmes. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis satisfazer os desejos da carne”. Não quis ler mais, nem era necessário. Mal terminara a leitura dessa frase, dissiparam-se em mim todas as trevas da dúvida, como se penetrasse no meu coração uma luz de certeza.[3]

No ano seguinte em 387, aos 33 anos, Agostinho foi batizado pelas mãos do bispo Ambrósio.[4] Pouco tempo depois, voltou ao norte da África e foi nomeado, sacerdote, pois, destacava-se não somente pela fama do seu conhecimento, mas a sua vida de piedade. A partir de então, o seu interesse pela filosofia, pelas artes, cedeu lugar à teologia e às obrigações do ministério pastoral.[5] Após a morte de Valério, bispo de Hipona, Agostinho o sucedeu em 395.[6] 

Agostinho participou de duas controvérsias importantes – a controvérsia donatista, acerca da igreja e dos sacramentos, e a controvérsia pelagiana, a respeito da graça e do pecado.[7] Nesta última, sobre o pecado original, ele entendia que os seres humanos foram corrompidos em sua vontade e maculados pelo pecado, e essa contaminação acontece desde o momento do nascimento. Ele convenceu-se que a criança não é tão pura como ele desejaria crer. Essa realidade é expressa por sua própria vida, quando ele confessa as inúmeras mentiras que empregava em sua infância para enganar a atenção dos mestres e dos pais, bem como os furtos que praticara, para obter a conivência dos seus companheiros de jogo.[8] Agostinho dos dezesseis aos trinta e dois anos, trilhou caminhos desregrados e que contrariaram os princípios da lei de Deus, ele apenas teve sede de prazeres luxuriantes.[9] 

Diante da vida que levava, ele estava convicto de que caso se tornasse cristão teria de renunciar não somente à cátedra de retórica,[10] mas também todas as suas ambições e gozo dos prazeres sensuais. De fato, esta fora a transformação que ocorrera na vida dele, pois a piedade foi uma das evidências para o bispo Valério de Hipona, e o povo que de forma uníssona o nomeara sacerdote.

A luta por uma vida pura à vista de Deus era constante, aquilo que fazia parte de sua vida pregressa ainda o atormentava mesmo que em sonhos. Agostinho tinha consciência que a vontade de Deus para a sua vida era abster-se da “concupiscência da carne, da concupiscência dos olhos e da ambição do mundo”.[11] Essa tamanha aflição é relatada por ele:

Tu me ordenaste a abstenção do concubinato e, ainda que me permitindo o matrimonio, me ensinaste algo bem melhor. Por tua graça, segui aquela indicação, mesmo antes de tornar-me dispensador de teus mistérios. Mas sobrevivem ainda na minha memória, sobre a qual longamente falei, as imagens daqueles prazeres, agravados pelo costume. Quando acordo elas não tem força, mas, durante o sono, chegam não somente a suscitar em mim o prazer, mas até o consentimento e a semelhança da própria ação. [...] falsas visões me impelem a atos que a própria realidade não me leva a fazer quando acordado.[12]     

   Agostinho desejara que Deus o curasse das fraquezas da alma e o livrasse por meio da sua graça até mesmo das perturbações carnais do seu sono.

Três ênfases são destacadas como características da santidade agostiniana. Primeiro, é preciso humilhar-se muito perante Deus e cultivar aquele senso de vacuidade, impotência e dependência que Jesus chamou de pobreza de espírito, de outra forma o orgulho passa a ser dominante na vida da pessoa. Os agostinianos avaliam este estado como “parte da obra do Espírito Santo induzindo o servo de Deus a um senso constantemente ampliado do contraste entre a gloriosa santidade de Deus e a ingloriosa pecaminosidade do homem”.[13] A intervenção divina para que fosse evidenciada uma vida mais pura era indispensável.

Em seguida vem uma “insistência igualmente enfática na necessidade da mais empreendedora atividade da parte de todos os servos de Deus, em todos os campos de atividade humana”.[14] A atividade incentivada pelo ensino da santidade agostiniana é intensa, ela envolve a percepção de oportunidades e responsabilidades, bem como o reconhecimento de que as suas habilidades desprovidas de qualquer intervenção divina são nulas, isto é, reconhecer a sua incapacidade de realizar tarefas sem Cristo, mas com total disposição e alegria de coração para o serviço, admitindo os seus pecados e expressando gratidão pelos cuidados divinos.[15] 

A última característica da santidade agostiniana é a transformação. Nesse ponto, a ênfase é a crescente vivificação do espírito e mortificação da carne. A luta constante entre a velha natureza e o novo homem era algo presente em Agostinho.

Em nosso próxímo post falaremos um pouco sobre a santificação na perspectiva monástica.


[1] AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Editora Paulus, 1997, p. 10-12.

[2] CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos: uma história da igreja cristã. São Paulo: Editora Vida Nova, 2008, p. 125; Maniqueísmo: Filosofia religiosa dualista fundada por Mani, que divide o mundo entre o bem e o mal. Essa doutrina segue o antigo padrão gnóstico de tentar oferecer uma resposta aos mistérios da condição humana por meio de uma revelação que nos deixa conhecer nossa origem divina e nos liberta das amaras da matéria. Neoplatonismo: Oferecia recursos a Agostinh1o para entender a natureza incorpórea de Deus, bem como um meio de interpretar a existência do mal sem ter que recorrer ao dualismo. ver: GONZALES, Justos, Uma História do Pensamento Cristão, v. 2, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 17-21.

 [3] AGOSTINHO, Confissões, p. 231.

[4] Ibid., p. 12.

[5] FRANGIOTTI, Roque. História da Teologia: período patrístico. São Paulo: Edições Paulinas, 1992, p. 80.

[6] FERREIRA, Franklin. Servos de Deus: espiritualidade e teologia na história da igreja. São Paulo: Editora Fiel, 2014, p. 82-83.

[7] McGRATH, Alister E. Teologia Histórica: uma introdução à história do pensamento cristão. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 2007, p.79.

[8] AGOSTINHO, Confissões, p.44-45.

[9] PAPINI, Giovani. Vida de Santo Agostinho. Tradução: Godofredo Rangel. São Paulo: Companhia Editora Nacional, s/d. p. 21.

[10] AGOSTINHO, Confissões, p. 236.

[11] AGOSTINHO, Confissões, p. 301.

[12] Ibid., p. 301.

[13] PACKER, J. I. Na Dinâmica do Espírito: uma avaliação das práticas e Doutrinas. São Paulo: Editora Vida Nova, 2010, p. 122-124.

[14] Ibid., p. 122-124

[15] Ibid., p. 124.


Sugestões de Literaturas:

  1. Confissões, Agostinho (Eu quero!)

  2. Servos de Deus: espiritualidade e teologia na história da igreja. Franklin Ferreira (Eu quero!)

  3. Na Dinâmica do Espírito: uma avaliação das práticas e Doutrinas, J. I. Packer  (Eu quero!)


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